Professor do CTC/PUC-Rio defende que a atual crise de energia elétrica é fruto de um planejamento pouco realista da operação

07/07/2014 -  do CTC/PUC-Rio defende que a atual crise de energia elétrica é fruto de um planejamento pouco realista da operação
 
Alexandre Street alerta que um racionamento em junho pode aliviar a situação e defende uma reforma no setor
 
Diante da crise energética que o Brasil enfrenta, é preciso gerir o sistema elétrico de forma comprometida com o futuro do país, e não com os interesses imediatos. A população em geral ainda não sentiu os efeitos da crise, mas o problema é que já vivemos em um racionamento disfarçado devido ao alto preço da energia no mercado de curto prazo. Esta é a opinião do professor Alexandre Street, do Departamento de Engenharia Elétrica do Centro Técnico Científico da PUC-Rio (CTC/PUC-Rio), que defende que algum tipo de incentivo de redução de consumo ou racionamento deve ser implementado agora, no mês de junho, início do período seco.
O preço de curto prazo da energia elétrica reflete o custo de operação da usina mais cara que está sendo utilizada e é utilizado para liquidar financeiramente todos os desvios de produção dos geradores e consumo dos consumidores com relação aos seus contratos. Atualmente, este preço encontra-se no seu valor máximo (teto). O teto do preço de curto prazo está atualmente fixado em R$ 822,33/MWh, o que é cerca de 6 a 8 vezes o valor cobrado por investidores para construir novas usinas. Nesse cenário, alguns consumidores industriais já possuem incentivos econômicos para parar a produção. “Quem possui essa flexibilidade pode vender a energia comprada ao preço de curto prazo, através de contratos firmados antes da crise e, com isso, lucrar mais do que com os seus respectivos negócios” explica Street. Além disso, grande parte das distribuidoras possui alguma parcela de seu consumo descontratada e, portanto, deve comprá-lo no curto prazo. Street reforça que “o custo destas compras superam o valor das distribuidoras e será repassado para o consumidor através de um substancial aumento de tarifas nos próximos anos”.
É neste contexto, onde o preço de curto prazo inviabiliza qualquer negociação e as afluências vêm se revelando muito aquém do necessário para garantir que os reservatórios não chegarão a níveis críticos, que algum tipo de mecanismo de redução de consumo ou racionamento deve ser implementado, segundo Street. “Essa decisão é uma prova de fogo para o atual governo. Qualquer liderança governista, de qualquer partido, tentaria evitar um desgaste deste porte às vésperas de uma eleição presidencial. No entanto, se essa decisão for adiada para depois das eleições, e as afluências continuarem com a atual tendência de baixa, podemos ter que decretar um racionamento emergencial de altíssimo custo para a sociedade, o que seria uma grande irresponsabilidade”, defende o professor.
A decisão de racionar ou não deve ser técnica, mas o professor aponta que não existe uma metodologia objetiva e oficial para se decretar um racionamento. “Essa é uma falha grave do setor. Existem estudos realizados e propostas técnicas bastante sérias, mas o setor está sempre apagando incêndios e quase nunca toma uma decisão neste âmbito fora de um contexto imediatista e emergencial”, enfatiza.
Street explica que se o racionamento for decretado agora, em Junho – fim do período úmido, este pode ser interrompido no meio do caminho caso as condições de afluências e o consumo se revelem favoráveis. Entretanto, o contrário é mais problemático, pois esperar pode levar a uma condição irreversível. “Um racionamento sempre é agressivo, sempre reduz o crescimento econômico. Mas é benéfico no sentido de que reduz o risco de um racionamento muito severo no fim do ano e leva o sistema para uma situação de equilíbrio estável novamente, economizando acionamento termelétrico nos anos subsequentes. Um racionamento de 6% durante três meses é muito menos custoso para a sociedade do que um racionamento de 18% realizado todo em um único mês.” Existem estudos de diversas empresas do setor que demonstram que se o racionamento for implantado agora, com uma redução inferior a 10% do consumo — valor inferior ao que foi o racionamento de 2001 — já seria suficiente para aliviar a situação. “Seria possível implementá-lo através de um incentivo de preços, em que você cobraria mais caro penalizando se alguém consumisse mais do que a meta e daria um benefício para quem consumisse menos, exatamente como foi feito de 2001”, reforça.
O fato da atual crise que vivemos agora estar ocorrendo em um período de seca severa não é uma surpresa. O professor explica que a atual crise não é decorrente de uma situação conjuntural de afluências baixas, mas decorrente de um processo de planejamento da operação míope: “Obviamente a crise estoura em um momento de estresse do sistema. Podemos pensar no caso de um paciente cardíaco que vive normalmente, mas quando é submetido a um esforço extra o seu coração demonstra sua fragilidade e enfarta. Essa crise tem a ver com a forma que a operação do sistema vem sendo realizada e que, em 2012, esse fato ficou claro para todo o setor devido ao esvaziamento recorde dos reservatórios sem que houvéssemos enfrentado uma seca severa.” Ele acrescenta: “O Brasil depende basicamente da gestão da água dos reservatórios para atender ao consumo de energia elétrica, pois as termelétricas sozinhas não são capazes de suprir nem 30% do consumo de energia elétrica do país. Para enfrentarmos a alternância entre períodos úmidos e secos de maneira segura, os modelos computacionais utilizados pelo operador nacional do sistema (ONS) precisam representar fidedignamente o sistema, justamente para simular o que pode acontecer em cada cenário hidrológico e, assim, permitir a tomada de decisão de onde, quando e quanto estocar de água.”
Street resume quatro situações que tornam a operação do sistema não eficiente e arriscada:
1) diversas restrições operativas reais do sistema elétrico como limites de transmissão e as restrições individuais de cada reservatório e cascata hídrica são extremamente simplificadas no modelo computacional que planeja o uso da água;
2) o modelo de previsão de afluências da região nordeste superestima sistematicamente (nos últimos 20 anos) a quantidade de água que chega nesta região e o mesmo ocorre para a geração de energia proveniente das pequenas usinas (biomassa, pequenas hidrelétricas e eólicas);
3) a regulação não emprega mecanismos eficientes de incentivo para que as empresas informem os dados técnicos mais precisos sobre suas usinas e, infelizmente, também não realizam medições e auditorias sistemáticas em muitos dos dados relevantes para garantir que os modelos computacionais que planejam o uso da água estejam sempre atualizados com a realidade;
4) por fim, os sistemáticos atrasos no cronograma de expansão fazem com que os modelos não economizem água hoje, imaginando um futuro onde os cronogramas de entrada em operação das usinas serão cumpridos.
Esses quatro pontos tornam o planejamento da operação otimista com relação ao que de fato acontece. Operar o sistema imaginando que o futuro será sempre melhor e mais simples do que a realidade torna o sistema vulnerável até mesmo a secas não muito severas. “Sem a capacidade de representar o futuro de maneira realista e, portanto, de se adiantar e economizar água com a antecedência necessária, o sistema passa ileso por períodos de afluências favoráveis, mas certamente será mal sucedido em tempos difíceis como os de agora. Não reconhecer o risco e as principais causas da atual crise, já alertadas desde 2010 por diversos agentes que hoje colhem os frutos na prática com altos preços de curto prazo, é continuar desperdiçando e colocando em risco todo o sistema.” Street acrescenta que “as metodologias empregadas na operação são muito complexas e dependentes de um imenso conjunto de dados. Deveríamos aproveitar essa situação para realizar uma reforma nesta área e colocar órgãos como o CEPEL, ONS e EPE em contato mais próximo com as universidades e agentes do setor.” Neste contexto, o professor propõe que os modelos computacionais fossem abertos para os agentes pudessem constantemente sugerir melhorias e que os dados de entrada fossem monitorados em tempo real e auditados por entidades independentes de maneira transparente e pública.
Com relação à pergunta de se devemos ou não racionar o consumo agora, Street enfatiza: “reconhecer essas deficiências é muito importante no atual momento, pois confirma a urgência de se analisar tecnicamente a decisão de racionamento, o que nunca foi oficialmente cogitado. Essa pergunta pode até ser respondida com um não, mas adiá-la provavelmente gerará uma herança maldita para o setor nos próximos anos” finaliza o professor.

APPROACH COMUNICAÇÃO INTEGRADA
Assessoria de Imprensa do Centro Técnico Científico da PUC-Rio (CTC/PUC-Rio)

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