Uma doença brasileira

22/12/2014 - Uma doença brasileira

Por Mario Bernardini*
São muitas nossas doenças. Além das nativas, acrescentamos, ao longo do tempo, todas as europeias, que importamos junto com nossos descobridores portugueses e, ultimamente, graças à globalização, temos disponíveis todas as asiáticas, sendo apenas uma questão de tempo para termos aqui as últimas novidades africanas. Entretanto, neste artigo, não vou falar do vírus “ebola” ou assemelhados, e sim de uma doença tão brasileira quanto à jabuticaba que é a hipertrofia de nosso sistema bancário.
É fato conhecido que os bancos, no Brasil, praticam juros que, em qualquer outro país, seriam caso de polícia, o que acarreta vários e graves efeitos colaterais. Um deles é o encarecimento da produção nacional ao acrescentar cerca de sete pontos percentuais aos custos da indústria de transformação, quando comparados com os gastos financeiros da maioria de nossos concorrentes, constituindo-se, assim, no segundo mais importante item do “Custo Brasil”, atrás apenas do diferencial de preço de nossos insumos.
Por outro lado, o endividamento das famílias brasileiras em 48% de sua renda, ainda que não seja excessivo quando comparado as de outros países, compromete cerca de 22% desta mesma renda para pagar as parcelas desta dívida, mais do que pagam as famílias americanas, embora estas últimas tenham uma dívida quase três vezes maior.  Destes 22%, que são comprometidos, anualmente, com o pagamento da dívida, cerca de 40% e, portanto, mais de 8 p.p., são decorrentes dos juros elevados.
Estes dois simples fatos fazem com que nosso sistema bancário, ao contrário do resto do mundo onde ele é um fator importante para alavancar a produção e o consumo, contribua fortemente para por em risco a saúde financeira de empresas e/ou consumidores brasileiros que precisarem de crédito. De fato, considerando os juros correntes para pessoas jurídicas, se uma empresa se endividar junto a bancos, no Brasil, em mais de um terço de seu faturamento anual, o que é muito pouco em termos mundiais, isso significa, quase sempre, a falência da empresa.
O retorno das empresas industriais que, nos últimos anos, tem ficado consistentemente abaixo do retorno das aplicações financeiras mais conservadoras, confirma esta distorção. Por exemplo: Enquanto que o lucro sobre o patrimônio líquido das empresas, acumulado no período 2008/12, alcançava 47%, a aplicação em renda fixa chegou a 62%. Isso significa que no Brasil é muito melhor usar o capital em aplicações financeiras do que em atividades produtivas que geram empregos e renda.
Outra consequência da “doença brasileira” é o peso que os juros elevados impõe ao setor público. Apesar de nossa dívida interna líquida não fugir da média dos países em desenvolvimento, nós pagamos a título de juros de duas a três vezes mais do que eles. Isso obriga nosso governo a fazer grandes superávits primários para poder pagar estes juros excessivos, em vez de utilizar estes recursos em serviços para a população ou em investimentos públicos ou, ainda, reduzindo a pesada carga tributária.
Isso porque a SELIC é parte da mesma “doença brasileira” que nos acomete há tempo e, portanto, sua redução para os mesmos níveis dos demais emergentes, que têm juros primários iguais à inflação mais 1 a 2 pontos é tão importante quanto à diminuição do “spread” bancário para níveis civilizados, ou seja, em média SELIC + 4 a 5 p.p. ao ano e não ao mês para pessoas jurídicas e SELIC + 10 p.p. para pessoas físicas. Esta redução teria vários efeitos benéficos tanto para quem produz como para quem consome, contribuindo decisivamente para a retomada do crescimento de nossa economia. Dentre os diversos efeitos positivos, podemos citar:
- Melhoria na competitividade do produto nacional, com a diminuição do “Custo Brasil”.
- Redução da inflação ao reduzir preços, via diminuição de custos.
- Aumento na capacidade de consumo das famílias brasileiras, graças à redução dos juros embutidos na parcela da renda destinada ao pagamento das dívidas.
- Diminuição da distorção na alocação de recursos que, atualmente, favorece as aplicações financeiras em detrimento da produção canalizando, assim, mais recursos para o investimento produtivo.
- Melhoria acentuada das contas públicas, permitindo alcançar o equilíbrio nominal, ou seja, eliminar a necessidade de colocar títulos públicos, o que torna, atualmente, o governo refém do sistema financeiro.
Tais metas são perfeitamente possíveis, pois, ainda que a redução da SELIC dependa, inicialmente, de uma melhora de nossa política fiscal, o processo passa a ser realimentado e sustentado pela redução da despesa do setor público com juros e pelo aumento da arrecadação decorrente da retomada dos investimentos produtivos estimulados pela redução do custo de capital.
A eliminação da anomalia de nossos “spreads” bancários, que levou nosso sistema financeiro a ter um peso no PIB muito acima dos países desenvolvidos, inclusive dos que são centros financeiros mundiais, passa por algumas medidas, de alçada de nossas autoridades monetárias, tais como: Eliminação da cunha fiscal, redução do compulsório com o fim de sua remuneração, a diminuição das tarifas bancárias e o aumento da concorrência para tirar as instituições financeiras da zona de conforto que, atualmente, permite-lhes ganhar muito dinheiro apenas com tarifas e operações de tesouraria. Tais medidas permitiriam que os bancos brasileiros pudessem voltar a seu importante papel de alavancar a produção e o consumo sem o atual risco de matar o cliente.

* Mario Bernardini é diretor de competitividade da ABIMAQ
 
Imprensa ABIMAQ

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