Acordo nuclear com o Irã: cedo ou tarde demais?

14/07/2015 - Acordo nuclear com o Irã: cedo ou tarde demais?
 
Por Jorge Mortean*
 
O acordo nuclear finalmente alcançado entre o Irã e as potências ocidentais expõe destrezas e fraquezas de ambos os lados, o que dificulta uma prévia análise do fato. Seria imprudente comemorar tal fato – apesar de não deixar d
e ser um ganho diplomático importante para as partes envolvidas – justamente pelos efeitos que o citado acordo irá (ou não) surtir. Abaixo seguem pontos relevantes a respeito:
Uma questão de sobrevivência - Que este acordo vem melhorar relações bem estremecidas, sem dúvidas. Entretanto, o programa nuclear iraniano é a barganha política para a sobrevivência do regime em Teerã. E isto não tem nada a ver com ameaças a Israel ou retóricas antiocidentais, que frequentemente são ecoadas pelo governo iraniano, mas sim com política doméstica. O regime teocrático do Irã é extremamente impopular entre a população – já são 34 anos de vários tropeços sociais, políticos e econômicos. Apesar do país ser signatário do TNP (Tratado de Não-Proliferação Nuclear, o que teoricamente compromete o desenvolvimento de armas atômicas) e de ter declarado uma “fatwa” (condenação islâmica) ao desenvolvimento de tais artefatos, uma eliminação do programa nuclear deixaria o regime iraniano politicamente mais vulnerável, para a alegria do Ocidente e de boa parte da sua própria população.
Importante para quem? - Lá pelos idos de 2010, quando vivia em Teerã, lembro da Declaração de Teerã sendo concluída entre Itamaraty e os persas, na presença do ex-presidente Lula, e as indagações dos iranianos com relação ao assunto: “Mas por quê vocês ocidentais se importam tanto com algo que nós não damos a mínima? Nem lembramos que isso existe!”. Os iranianos, de modo geral, pouco se interessam, nem dão importância, pelo fato de seu país desenvolver tecnologia nuclear. O rechaço vem, sobretudo, da única potência nuclear da região, Israel, coincidentemente arquirrival política da nação persa. A agitação política regional, ressoada na mídia internacional, com base no desespero israelense em ver seu vizinho desenvolver um programa atômico faz com que o Irã seja pressionado com sanções ocidentais que afetam diretamente sua saúde econômica.
Fazendo as contas - O Congresso norte-americano tem ainda 60 dias para ratificar tal acordo. Caso isso seja alcançado, a remoção das sanções (prevista no acordo) será uma questão gradual de tempo. Com a ausência de sanções, empresas europeias (e triangulações de outras norte-americanas), bem como empresas de todo o mundo, voltarão a operar no Irã e injetar bilhões na economia persa. Ganham a diplomacia norte-americana e o Ocidente – lucrando ainda mais, e ganha o regime teocrático de Teerã – um fôlego extra. Perdem Israel e os países árabes, que sempre viram o regime como uma ameaça existencial. Afinal, o Irã é o maior país em território do Oriente Médio, com 75 milhões de consumidores jovens (70% da população tem menos de 35 anos), com uma renda média razoável, ávidos por adquirirem bens ocidentais. Um enorme mercado.
Mudança para quê? - Politicamente falando, nada substancialmente muda no governo teocrático iraniano, para a infelicidade de seus inimigos internos e externos. Nada muda para os Estados Unidos e seus aliados, que voltarão a lucrar naquele imenso mercado pago em petrodólares. Os iranianos continuarão a viver sob um regime o qual estão extremamente cansados, seu programa nuclear será deveras diminuído (mas não interrompido) e o Ocidente, ao comando de Israel, continuará demonizando o governo de Teerã. O que deveria ter um impacto político, acaba mais como um acordo econômico. Sendo assim, excluindo o fato diplomático louvável, pergunto se não está tarde demais para celebrarmos uma boa intenção que chega já fora de tempo, tardia.
 
* Jorge Mortean é Geógrafo, bacharel pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Estudos Regionais do Oriente Médio. Pesquisador das relações diplomáticas entre a América Latina e o Oriente Médio, é doutorando em Geografia Política, também pela USP e Professor do curso de Relações Internacionais da FAAP - Fundação Armando Alvares Penteado
 
Anunciattho Comunicação

Banner
Banner
Banner

Site Login