As soluções assumindo temerariamente o comando

21/12/2015 - As soluções assumindo temerariamente o comando
 
Por Álvaro Rodrigues dos Santos*
 
Algum tempo atrás alertava em artigo sobre os riscos de perderem força na Geotecnia brasileira (Geologia de Engenharia + Engenharia Geotécnica) as análises fenomenológicas, a partir das quais, com naturalidade, chegar-se-ia às melhores soluções para os problemas enfrentados.
Infelizmente hoje constato que essa tendência reforçou-se, e os problemas são normalmente considerados já sob a ótica pré-assentada de um elenco de soluções forte e insistentemente promovidas em nosso meio.
Claro, diante do desuso metodológico da análise fenomenológica, como primeiro passo de enfrentamento de um problema, abre-se a cada dia mais a possibilidade de um total desencontro entre o real fenômeno geológico-geotécnico em curso e a solução aventada para estabilizá-lo. Ao menos esse é o testemunho que, com preocupação, vimos todos colhendo do cotidiano de seguidos acidentes e disfunções técnicas observadas em obras de caráter geotécnico.
Resisto à generalização, mas poderia dizer que em grande parte das situações temos a impressão que nesse contexto de empobrecimento do exercício inteligente e crítico da engenharia, a decisão por uma determinada solução técnica já não advém de um preciso diagnóstico geológico e geotécnico do problema e dos fenômenos com que se está lidando. Já não é mais o problema que busca a solução, mas sim a solução prêt-à-porter (“pronta para usar”) que busca problemas, sejam esses quais forem, para oferecer-se como desejada panacéia tecnológica. Como o caricato “médico de bula”, já está entre nós o “geotécnico de catálogo”.
Claro, sem dúvida alguma o aperfeiçoamento de nosso leque de soluções é necessário, indispensável e bem-vindo, por disponibilizar continuamente novas e eficazes ferramentas para o trato de novos e velhos problemas geotécnicos. A questão apontada não está na qualidade das soluções disponibilizadas, mas no risco em se abordar um problema geotécnico com a predisposição, consciente ou inconsciente, de utilizar-se essa ou aquela solução. Casos de mesma natureza são as situações de insucesso financeiro, em que a solução adotada, ainda que possa ter sofrivelmente resolvido o problema, tenha resultado um preço exorbitante, muito maior daquele que seria naturalmente decorrente de uma solução fenomenologicamente correta.
A reversão dessa disfunção de abordagem técnica passa pela disposição da Geotecnia brasileira, geólogos de engenharia e engenheiros geotécnicos, em retomar na plenitude as rédeas de seu exercício profissional, recuperando em teoria e prática a velha e sábia verdade de ordem metodológica: a execução de serviços geotécnicos, de qualquer natureza, inicia-se, indispensavelmente, pela exata compreensão qualitativa e quantitativa do fenômeno geológico-geotécnico que se está enfrentando. Somente essa compreensão, para a qual uma rica e colaborativa integração entre os conhecimentos geológicos e geotécnicos é essencial, permitirá a adoção de uma solução perfeitamente solidária e adequada ao fenômeno enfrentado. Adicionalmente, a segurança proveniente dessa compreensão libera o projetista para uma maior ousadia na escolha da solução de engenharia e para a adoção de Coeficientes de Segurança mais reais e modestos. Do que decorrerão, em relação direta, obras mais econômicas e eficazes.
 
* Álvaro Rodrigues dos Santos ( Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo. ) é geólogo; Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas; Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”; Consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia

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