Como construir (ou adaptar) adegas para conservação dos vinhos em casa.

24/10/2012 - Como construir (ou adaptar) adegas para conservação dos vinhos em casa.

carlos.jpgMuitos colegas engenheiros e arquitetos pediram-me que escrevesse um capítulo sobre como construir (ou adaptar) adegas para conservação dos vinhos em casa.



Por incrível que pareça, e apesar do enorme aumento de interesse pelos assuntos relacionados ao vinho, a instalação de adegas é tema bastante controverso e com pouca bibliografia existente em português.
A questão inicial é a função de uma adega. Antigamente os vinhos eram feitos para serem guardados, com brancos bastante ácidos e tintos com muito tanino, aptos para envelhecerem bem durante muitos anos, ou mesmo décadas.
O vinho moderno mudou muito. Hoje, na elaboração dos vinhos, procura-se privilegiar o paladar da fruta, com brancos equilibrados entre açúcar e acidez e tintos com taninos macios, redondos, enfim, vinhos que saem do fabricante prontos para serem bebidos. Estes vinhos não precisam envelhecer. Quando são lançados ao mercado, já estão no seu apogeu, não melhorarão com o tempo. Só precisarão de um breve repouso (uma semana, por exemplo) para se recuperarem da viagem do importador (ou supermercado etc.) até o local onde serão consumidos.
Este é um ponto muito importante que às vezes as pessoas relegam e se dão mal. A elite dos vinhos pode e deve ser adegada (o termo que usamos para envelhecimento em adega). Apenas como exemplo, citamos: os brancos da Borgonha, feitos com a uva Chardonnay, maravilhosos, devem ser tomados após dez anos da safra. Os brancos doces, como os Sauternes, os Tokaji, os vinhos do Loire, os vinhos botritizados alemães de qualidade superior, feitos com a uva Riesling, os produzidos com a uva Moscatel, enfim, todos os vinhos brancos doces envelhecem bem e podem durar décadas. Os tintos franceses da região de Bordeaux (em especial os melhores), os do Rhône, feitos com a uva Sirah, e até os Borgonhas, não tão longevos mas que envelhecem dignamente. Os italianos mais encorpados, como o Barolo e o Barbaresco do Piemonte, o Brunello di Montalcino toscano e o Reciotto della Valpolicella veneto. Os espanhóis da Rioja, Priorato e Ribera del Duero e os portugueses do Douro e do Dão.
Para saber o ponto ótimo de consumo destes vinhos podemos consultar capítulo anterior, que trata da longevidade dos vinhos. Estes são os chamados “vinhos de guarda”, pois podem durar até vinte anos. Existem também os chamados “vinhos de meia guarda”, assim ditos os que melhoram até seis a oito anos após o engarrafamento.
A primeira coisa que devemos calcular, em nosso projeto de uma adega fictícia, é a quantidade de vinhos que queremos estocar, considerando-se os três tipos de vinho – de guarda, de meia guarda e de consumo imediato. Os primeiros permanecerão estocados por muito tempo, os segundos por algum tempo e os terceiros apenas por um breve período.
Se vamos adaptar um espaço já existente numa residência, devemos procurar um local: que não receba sol direto – de preferência de face Sul –, sem luminosidade excessiva, de temperatura o mais constante possível e cuja média se aproxime de 10 a 15 graus centígrados. Sem trepidações ou vibrações, contínuas ou intermitentes. Isento de aromas indesejáveis, principalmente os de produtos químicos ou de limpeza, de umidade relativa do ar superior a 50%, até os 80%, com espaço suficiente para armazenar as garrafas que desejamos deitadas, ou seja, na horizontal.
Vamos comentar estes atributos: quanto mais alta a temperatura de estocagem, maior o envelhecimento do vinho.
Temperaturas próximas aos 20 graus centígrados fazem o vinho envelhecer precocemente, ainda que não o destrua. Já aos 30 graus os componentes do vinho são destruídos. A melhor temperatura, considerando diversas fontes consultadas, é de 14 graus, considerando-se o clima brasileiro. A questão da luminosidade não é tão crítica, tem gente que acha que é preciso entrar com uma vela na mão para escolher os vinhos na adega. Lâmpadas elétricas são aceitáveis, desde que não permaneçam acesas o tempo todo. As trepidações devem ser evitadas, por isto os famosos “vãos de escadas” normalmente são uma solução bastante precária. Às vezes um armário funciona melhor. Os aromas químicos são mortais aos vinhos, avise sempre que uma adega nunca deve ser limpa, ou melhor, apenas com panos e água. Teias de aranha são charmosas, jamais devem ser destroçadas. Há até quem as cultive, no sentido de impressionar os incautos sobre a antigüidade de seus vinhos.
Brincadeiras à parte, as garrafas devem sempre permanecer deitadas.
Assim a rolha permanece em contato com o vinho, e, úmida, veda a entrada de ar em seu interior. A mesma coisa para a umidade relativa do ar. Quando o teor de umidade baixa dos 50% a rolha seca com o mesmo indesejável efeito. Já umidade acima de 80%, ainda que não faça mal ao líquido, mofa os rótulos, desvalorizando os vinhos.
Se você vai adaptar um espaço para funcionar como adega, dificilmente conseguirá as condições ideais. Procure ao menos chegar perto, dentro do possível.
Agora, se você vai comprar ou instalar uma adega nova, chegamos ao seguinte ponto: para capacidade de guarda de até 500 garrafas, o mais econômico é comprar uma adega pronta, do tipo “geladeira”. São móveis pré-fabricados, com vários tamanhos, podendo abrigar desde 25 garrafas (as menores) até 500 garrafas (as maiores). O aspecto exterior destes equipamentos varia muito.
Algumas parecem-se com uma geladeira, em esmalte branco ou aço inox. Outras podem lembrar um aparador de sala de jantar, em acabamento de madeira nobre, de acordo com o encomendado, como o mogno, por exemplo, de maneira a harmonizar com o restante dos móveis. Consomem pouca energia elétrica (de 0,35 a 1 kW hora por dia), dependendo onde está instalada, e tem controle de temperatura e umidade. São ótimas opções, sendo seu único inconveniente o preço.
O preço para armazenagem, por garrafa, costuma ser da ordem de 7 a 15 dólares, dependendo, obviamente, de seu tamanho.
Para adegas com capacidade para mais de 500 garrafas, normalmente o mais vantajoso é sua construção. Inicialmente devemos isolar o espaço reservado com material térmico e acústico. Calcule cerca de 1 metro quadrado de prateleira para cada 200 garrafas, aproximadamente. Depois será necessário a instalação de um aparelho de refrigeração específico para vinhos, com controle da temperatura e da umidade relativa do ar. Para sustentação das garrafas diversos sistemas de prateleira são utilizados. Temos garrafeiros em ferro galvanizado, em madeiras (como a peroba, por exemplo) e até soluções bem leves como porta-garrafas em arames galvanizados. O custo aproximado de instalação, por garrafa, também fica próximo aos 7 dólares. Algumas soluções utilizam-se de tijolos refratários apropriados, que além de bonito efeito estético, ajudam na temperatura de conservação do vinho. Podem também ser utilizadas prateleiras plásticas, que são baratas e modulares.
Um fenômeno ainda quase desconhecido aqui no Brasil é a adoção do vinho como opção de investimento. Em alguns países do mundo, em especial Inglaterra e Estados Unidos, os grandes vinhos são considerados commodities e recebem um tratamento à altura do valor que representam. Nos últimos anos a valorização de alguns vinhos, em especial os top de Bordeaux e da Borgonha, bem como os chamado “cult wines” americanos, têm tido valorização bem superior à de outros ativos, o que faz com que cada vez mais pessoas resolvam investir na estocagem de vinhos. Os cuidados com a conservação destes vinhos são extremos. Por exemplo, uma adega de 500 unidades pode ter um valor médio por garrafa de 200 dólares, ou até mais, dependendo da qualidade dos vinhos. Neste caso o cuidado com sua conservação é uma obrigação, incluso com a adoção de sistemas de segurança contra falta de energia e alarme de entrada de intrusos no interior da adega. Agora, nós, mortais, que só queremos degustar nosso vinho de maneira um pouco melhor, sempre poderemos improvisar alguma adega, qualquer que seja a condição de nossa residência, ainda que longe das condições ideais, mas perfeitamente aceitável. Histórias pitorescas sobre adegas existem muitas, nem sempre verdadeiras. Discute-se qual a maior (ou melhor) adega do Brasil, quem possui mais vinhos raros etc. Há também algumas possivelmente inventadas, que talvez pertençam ao campo da anedota. Dizem que um grande colecionador, indo viajar, ajustou o controle de seu precioso rol de vinhos para a temperatura desejada; alguns garotos entraram na casa, para usufruir a piscina fresca no verão caloroso. Ao verem o botão de controle, curiosos, giraram-no para cerca de 80 graus Celsius. Os vinhos foram todos perdidos, e, o que é pior, não estavam no seguro. Assim aconselha-se, quando os valores investidos são muito altos, que os vinhos e os controles devam estar protegidos por fechaduras e o estoque devidamente segurado.
Para terminar, um amigo meu sempre recomenda que a adega seja instalada no quarto da empregada. Indaguei o porquê, e ele respondeu, sem pestanejar: “Ora, é o melhor álibi caso você seja encontrado de madrugada no quarto dela. Todos conhecem a chamada sede noturna, que acomete repentinamente muitos enófilos... sempre digo que fui procurar um champagne, que é o melhor para estas ocasiões...”. Eu particularmente não recomendo esta prática.

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