Precatórios: invenção brasileira completa 80 anos e continua sem dizer a que veio

07/07/2014 - Precatórios: invenção brasileira completa 80 anos e continua sem dizer a que veio
 
Por Dimas Alberto Alcantara*
 
A segunda constituição republicana da história do Brasil, produto político da Revolução Constitucionalista de 32, e econômico, da revolução industrial que transformava o mundo, entre algumas poucas alterações no regime representativo de oligarquias então dominante,  criava a figura dos precatórios, exclusiva do ordenamento jurídico pátrio.
Tida por muitos estudiosos da matéria constitucional como a oficialização do calote do poder público sobre os cidadãos, esse suporte da dívida, mal gerenciado e complexo pela própria natureza, completa 80 anos em 16 de julho, sem dizer exatamente a que veio.
Precatórios são títulos de dívidas que o governo emite para pagar quem ganha na justiça processos contra o poder público – entre eles estão, por exemplo, indenizações de servidores públicos e o por desapropriações, além da dívida por falta de pagamento às empresas que executam obras e serviços. O dinheiro é repassado aos tribunais de justiça, que liberam os valores aos credores. Segundo estimativas do Conselho Nacional de Justiça, hoje estados e municípios devem R$ 94 bilhões em precatórios para pessoas físicas e jurídicas.
Parte da responsabilidade pela subsistência quase secular de um arranjo que vitima a maioria dos credores dos poderes públicos  – União, Estados e Municípios – pode ser atribuída aos próprios titulares desses direitos, que pouco ou nada fazem de efetivamente concreto para liquidar com esse emaranhado de normas, preceitos e regulamentos que enovelam a matéria desde sempre.
Há os que simplesmente ignoram a existência legal desse cacife oficial em relação aos que fornecem todo tipo de materiais ou serviços especializados ao poder público, seja por concorrência ou simples consulta de preços. Simplesmente pelo fato de não terem qualquer relacionamento explícito com órgãos públicos das diversas esferas, a maioria da população - leia-se eleitores - não se interessa pelo assunto e tampouco conhece o significado jurídico do termo.
Existe, no entanto, expressivo contingente de assalariados que prestam ser viços administrativos ou técnicos em diferentes esferas que veem seus vencimentos, por inúmeras e complexas razões, integrarem o rol dos credores que se transformam em precatorianos. E, a partir daí, se inicia uma longa batalha que, muitas vezes, ultrapassa a própria existência do titular desse direito e chega minguada aos seus sucessores, quando os há.
Os precatórios alimentares, já elevados à condição de preferenciais inúmeras vezes e solapados por diferentes razões, justamente por falta de representatividade expressiva, acabam dando lugar a pagamentos milionários em função de obras ou contratos também vultosos, em condições legalmente referendadas pela abundância de dispositivos que fazem da matéria autêntico cipoal jurídico.
Outro ponto controvertido e que tem gerado protelações recursais sem fim diz respeito à correção monetária dos valores devidos. Tribunais regionais federais e tribunais de justiça do país determinaram que a mesma seja feita pelos índices da caderneta de poupança. Ministros do Superior Tribunal de Justiça, instados e se manifestar em virtude de recursos, ordenaram esse pagamento pelo IPCA, Alguns inclusive argumentando que cabe a cada juiz decidir sobre a matéria considerando o caso concreto.
Novos recursos sendo distribuídos a diferentes ministros colocaram  ainda mais lenha nas fogueiras já crepitantes e até agora nada de mais lógico e explícito foi decidido. Às vésperas de se tornar octogenária, a matéria é um exemplo fiel da procrastinação medieval da prestação jurisdicional entre nós.
 
* Dimas Alberto Alcantara é advogado tributarista, especializado em ações coletivas e diretor da Alcantara Advogados & Associados. E-mail: Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.

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